quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Trinta anos de história do PT contra cinco minutos na TV

Quem vai ficar com o apoio do PMDB, quer dizer, seus cinco minutos na televisão e seus palanques na campanha de 2010? A resposta a esta questão está na raiz de toda a crise política que se arrasta desde o início do ano e culminou na semana passada com a salvação de José Sarney pelo PT. Vai valer a pena?

No mesmo dia, dois senadores, Marina Silva e Flávio Arns _ por razões bem diferentes, diga-se _ anunciaram que deixariam o partido. No dia seguinte, Aloizio Mercadante foi convencido por Lula a revogar sua renúncia irrevogável à liderança no Senado para não aumentar ainda mais a crise nas relações entre o partido e o governo.

Diante de mais uma guerra interna desencadeada a partir deste episódio, os analistas de sempre repetiram a previsão feita outras vezes ao longo das últimas três décadas: é o fim do PT. Tantas vezes anunciada nestas últimas três décadas, a morte do PT é desmentida eleição após eleição e nas pesquisas, inclusive as mais recentes, que colocam o partido em primeiro lugar na preferência dos eleitores brasileiros.

É como diz o leitor Simei de Almeida, em comentário enviado na tarde de segunda-feira: “Antes não prestava pelo que era, agora não presta pelo que não é mais”.

Às vésperas de comemorar 30 anos, no começo do ano eleitoral de 2010, parlamentares, dirigentes e militantes petistas vivem o eterno dilema de ser ou não ser governo quando chegam ao poder, do pequeno munícipio à Presidência da República. Tem sido assim desde que o primeiro petista foi eleito. Muitos foram ficando pelo caminho, abrindo dissidências e até novos partidos, que nunca emplacaram.

No centro das discussões, desde o primeiro Encontro Nacional do PT, está sempre a política de alianças, depois que o partido descobriu que ninguém consegue se eleger nem governar sozinho.

Qual o preço e os limites destas alianças? Foi mais uma vez em torno desta questão que a jornalista Marilda Varejão, minha velha amiga e petista histórica, desencadeou um grande debate entre militantes, a partir do momento em que comunicou a mais de cem pessoas das suas relações que estava deixando o partido.

“Com imensa dor, mas com igual convicção, anexo a carta que estou levando hoje ao PT local. Sem mais, abraços, Marilda Varejão”, escreveu ela, e anexou a carta que reproduzo abaixo.

“Petrópolis, 23 de setembro de 2009

Ao Partido dos Trabalhadores

Há muito – mais precisamente desde quando, no “mensalão”, vi rolarem por terra ídolos como José Dirceu e Genoíno – venho pensando em fazer o que agora faço. Entretanto, movida pelo desejo de separar o joio do trigo e, de alguma forma, ajudar a reconstruir o PT local, mantive-me fiel ao partido, tendo exultado quando a cidade elegeu Paulo Mustrangi como prefeito.

Entretanto, apesar de Lula declarar que petista é como flamenguista, que permanece fiel ao time independentemente das derrotas, creio que para tudo nesse mundo há um limite. E não suporto mais ver esse homem – que acompanhei com ardor e paixão desde a greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, SP, em maio de 1978 –, em nome da “governabilidade”, jogar por terra a própria biografia e os ideais de tantos quantos depositaram nele a responsabilidade de construir um Brasil mais justo e mais digno.

O mais lamentável em tudo isso é que, apesar da decepção, não nego sua capacidade e louvo seus feitos: é mérito seu mais de 35 milhões de brasileiros terem saído da linha de pobreza e nosso país hoje ser conhecido e respeitado em todo o mundo. Mas nem por isso Lula pode ser maior que o próprio PT nem fazer com que petistas históricos, como o senador Aloizio Mercadante se tornem alvo do achincalhe nacional.

Por tudo isso, em caráter irrevogável (irrevogável mesmo!), venho solicitar minha desfiliação partidária. Solitária em minha dor, saberei sempre a hora de estar ao lado das pessoas de bem que insistem na luta, como por exemplo o ministro Patrus Ananias. Mas me resguardo e estou a salvo dessa indigesta pizza que tentam jogar goela abaixo dos menos incautos.

Atenciosamente,

Marilda Varejão (título de eleitor 228802690159, zona 0085 seção 0018 cadastro 2407706) ”

Os amigos da Marilda se dividiram ao meio, apoiando ou discordando da sua decisão, e o debate continua nesta terça-feira pela internet.

Zélio Alves Pinto, o grande cartunista e artista plástico, escreveu: “Tá certo, Marilinha: concordo, mas discordo, porque contra fogo só fogaréo, senão acabam queimando a gente e, cansado de ser gato escaldado, eu fico. Não tenho carteirinha, apenas fé. E é nessa que eu vou. Apoio Marilda, você, e digo-lhe mais, até a Marina, mas não dá pra votar nela (vão fazer picadinho da santa), mas fico. Me desculpa, viu? Todo carinho, Zélio”.

No final da noite de ontem, ao ler a mensagem de Zélio, resolvi participar também do debate em que escrevi para os amigos o que penso a respeito deste assunto:

“Pessoal,

Não queria entrar nesta conversa, mas faço minhas as palavras do mestre Zélio, sem tirar nem por. É por isso que gosto sempre de ouvir os mais velhos…

Estou que nem ele: nunca entrei em partido nenhum, mas não perco a fé. Se não entrei, não tenho nem como sair… Como dizia outro velho amigo, o Carlito Maia: não sou do PT, mas o PT é meu partido. É e será. O resto é muito pior.

Qual PV vocês preferem: o PV do DEM e do Sirkys, no Rio, ou o PV do PSDB e do Penna em São Paulo? Coitada da minha amiga Marina…

Entre o Gabeira e o Roberto Freire, linhas auxiliares dos demo-tucanos, gente sem projeto e sem compromisso com o país, fico com o Lula, o melhor presidente (para a maioria da população) que este país já teve, desde Getúlio Vargas.

Daqui a 100 anos, quando falarem do Brasil, só vão lembrar destes dois.

Abração a todos,

Ricardo Kotscho”.

Com a palavra agora, os leitores do Balaio.

Everardo: Casos Petrobras e Dilma/Lina "são farsa"




O pernambucano Everardo Maciel mora há 34 anos em Brasília. Foi secretário executivo em 4 ministérios: Fazenda, Educação, Interior e Casa Civil, e foi Secretário da Fazenda no Distrito Federal. Everardo é hoje consultor do FMI, da ONU, integra 10 conselhos superiores, entre eles os da FIESP, Federação do Comércio e Associação Comercial de São Paulo e é do Conselho Consultivo do Conselho Nacional de Justiça.

Mas, nestes tempos futebolísticos, às vésperas de 2010, com tudo o que está no ar e nas manchetes e, em especial, diante do que afirma Everardo Maciel na entrevista que se segue, é importantíssimo ressaltar que ele foi, por longos 8 anos, "O" Secretário da Receita Federal dos governos Fernando Henrique Cardoso.

Dito isso, vamos ao que, sem meias palavras, afirma Everardo Maciel sobre os rumorosíssimos casos da dita "manobra contábil" da Petrobras - que desaguou numa CPI -, da suposta conversa entre a Ministra Dilma Rousseff e a ex-Secretaria da Receita Lina Vieira e da alardeada "pressão de grandes contribuintes", fator que explicaria a queda na arrecadação:

- Não passam de factóides. Não passam de uma farsa.

Sobre a suposta manobra contábil que ganhou asas e virou fato quase inquestionável, diz o ex-Secretário da Receita Federal de FHC:

-É farsa, factóide... a Petrobras tem ABSOLUTO DIREITO (NR: Destaque a pedido do entrevistado) de escolher o regime de caixa ou de competência para variações cambiais, por sua própria natureza imprevisível, em qualquer época do ano. É bom lembrar que a opção pelo regime de caixa ou de competência não repercute sobre o valor do imposto a pagar, mas, sim, a data do pagamento. Essas coisas todas são demasiado elementares.

E o caso Dilma/Lina?

- Se ocorreu o diálogo, ele tem duas qualificações: ou era algo muito grave ou algo banal. Se era banal deveria ser esquecido e não estar nas manchetes. Se era grave deveria ter sido denunciado e chegado às manchetes em dezembro, quando supostamente ocorreu o diálogo. Ninguém pode fazer juízo de conveniência ou oportunidade sobre matéria que pode ser qualificada como infração. Caso contrário, vai parecer oportunismo.

E a queda na arrecadação por conta de alardeada pressão de grandes contribuintes?

-Farsa, factóide para tentar explicar, indevidamente, a queda na arrecadação.

Sobre essa mesma queda e alardeadas pressões, Everardo Maciel provoca com uma bateria de perguntas; que ainda não foram respondidas porque, convenientemente, ainda não foram feitas:

- Quais são os nomes dos grandes contribuintes, quando e de que forma pressionaram a Receita? Quando foi inciada a fiscalização dos fatos relacionados com o senhor Fernando Sarney? Quantos foram os contribuintes de grande porte no Brasil que foram fiscalizados no primeiro semestre deste ano, comparado com o mesmo período de anos anteriores e qual foi o volume de lançamentos? A Receita, em algum momento, expediu uma solução de consulta que tratasse dos casos de variações cambiais como os alegados em relação à Petrobras?

Com a palavra Everardo Maciel, Secretário da Receita Federal nos 8 anos de governo Fernando Henrique Cardoso:

Terra Magazine - Algo perplexo soube que o senhor, Secretário da Receita Federal por 8 anos nos governos de Fernando Henrique Cardoso, não tem a opinião que se imaginaria, e que está nas manchetes, editoriais e colunas de opinão, sobre o caso das ditas manobras contábeis da Petrobras, agora uma CPI?
Everardo Maciel - Independentemente de ter trabalhado em qualquer governo, meu compromisso é dizer a verdade que eu conheço. Então, a verdade é que a discussão sobre essa suposta manobra contábil da Petrobras é rigorosamente uma farsa.

Uma farsa, um factóide?
É exatamente isso. Farsa, factóide. E por quê? Porque não se pode falar de manobra contábil, porque a contabilidade só tem um regime, que é o de competência.

Traduzindo em miúdos, aqui para leigos como eu....
Eu faço um registro competência... quer dizer o seguinte: os fatos são registrados em função da data que ocorreram e não da data em que foram liquidados. Por exemplo: eu hoje recebo uma receita. Se estou no regime de competência, a receita é apurada hoje. Entretanto, se o pagamento desta receita é feito no próximo mês, eu diria que a competência é agosto e o caixa é setembro. Isso é competência e caixa, esta é a diferença entre competência e caixa, de uma forma bem simples.

Cabe uma pergunta, de maneira bem simples: então, Secretário, há um bando de gente incompetente discutindo a competência?
Eu não chegaria a fazer essa observação assim porque não consigo identificar quem fez essas declarações, mas certamente quem as fez foi, para dizer o mínimo, pouco feliz.

Por que o senhor se refere, usa as expressões, "farsa" e "factóide"?
Vejamos: farsa ou factóide, como queiram, primeiro para explicar indevidamente a queda havida na arrecadação. Agora, a Petrobras, no meu entender, tem ABSOLUTO DIREITO (NR: Destaque a pedido do entrevistado) de escolher o regime de caixa ou de competência para variações cambiais, por sua própria natureza imprevisível, em qualquer época do ano. É bom lembrar que a opção pelo regime de caixa ou de competência não repercute sobre o valor do imposto a pagar, mas, sim, a data do pagamento. Essas coisas todas são demasiado elementares. Para especialistas.

Então por que todo esse banzé no Oeste?
Não estou fazendo juízo de valor sobre a competência de ninguém, mas, neste caso, para o governo, me desculpem o trocadilho, o que contava era o caixa. E o caixa caiu. Para tentar explicar por que a arrecadação estava caindo, num primeiro momento se utilizou o factóide Petrobras. No segundo, se buscou explicações imprecisas sobre eventuais pressões de grandes contribuintes, às vezes qualificados em declarações em off como financiadores de campanha. Entretanto, não se identificou quem são esses grandes "financiadores de campanha" ou "contribuintes". Desse modo, a interpretação caiu no campo da injúria.

O senhor tem quantos anos de Brasília?
Não consecutivamente, 34 anos. Descontado o período que passei fora, 30 anos.

Diante desse tempo, o senhor teria alguma espécie de dúvida de que o pano de fundo disso aí é a eleição 2010?
Eu acho que nesse caso, em particular e em primeiro lugar, o pano de fundo era a sobrevivência política de uma facção sindical dentro da Receita.

Seria o pessoal que o atormentou durante oito anos?
Não todo tempo. E de qualquer sorte, de forma inócua.

Sim, mas me refiro para o que reverbera para além da secretaria,do que chega às manchetes... os casos da Petrobras, um atrás do outro.
Todos esses casos são, serão esclarecidos, e acabam, acabarão sendo esquecidos, perderão qualquer serventia para 2010. São factóides de vida curta. Depois disso chegamos à terceira fase do factóide.

Mais ainda? Qual é?
Aí vem a história do virtual diálogo que teria ocorrido entre a ministra-chefe da casa civil, Dilma Rousseff, e a secretária da receita, Lina Vieira. Não tem como se assegurar se houve ou deixou de haver o diálogo, mormente que teria sido entre duas pessoas, sem testemunhas. Agora tomemos como verdadeiro que tenha ocorrido o diálogo. Se ocorreu o diálogo, ele tem duas qualificações: ou era algo muito grave ou algo banal.

Sim, e aí?
Se era algo banal, deveria ser esquecido e não estar nas manchetes. Se era algo grave, deveria ter sido denunciado e chegado às manchetes em dezembro, quando supostamente ocorreu o diálogo. Ninguém pode fazer juízo de conveniência ou oportunidade sobre matéria que pode ser qualificada como infração. Caso contrário, vai parecer oportunismo.

À parte suas funções conhecidas, de especialista, por que coisas tão óbvias como essa que o senhor tá dizendo não são ditas? Já há dois meses essa conversa no ar sem que se toque nos pontos certos, óbvios...
Eu não sei porque as pessoas não fazem as perguntas adequadas...

Talvez porque elas sejam incômodas para o jogo, para esse amontoado de simulacros que o senhor aponta? Quais seriam as perguntas reveladoras?
Por exemplo: quais são os nomes dos grandes contribuintes, quando e de que forma pressionaram a Receita? Quando foi inciada a fiscalização dos fatos relacionados com o senhor Fernando Sarney? Quantos foram os contribuintes de grande porte no Brasil que foram fiscalizados no primeiro semestre deste ano, comparado com o mesmo período de anos anteriores e qual foi o volume de lançamentos? Ainda uma outra pergunta: a Receita, em algum momento, expediu uma solução de consulta que tratasse dos casos de variações cambiais como os alegados em relação à Petrobras? Respostas a isso permitiriam lançar luz sobre os assuntos.

Última pergunta, valendo-me de um jargão jornalístico: trata-se então de um amontoado de cascatas?
Não tenho o brilhantismo do jornalista para construir uma frase tão fortemente elegante e esclarecedora, mas, modestamente, prefiro dizer: farsa e factóide. Ao menos, no mínimo, algumas das coisas que tenho visto, lido e ouvido, não passam de factóides. Não passam de uma farsa.

domingo, 16 de agosto de 2009

A luta pelas Treva

Lê-se na coluna de Merval Pereira, em O Globo, que o pedido de desculpas na tribuna do senador tucano Tasso Jereissati, metido dias antes em um duelo verbal com o colega peemedebista Renan Calheiros, foi mais um gesto do grupo de parlamentares “éticos”, preocupados em recuperar o Senado das mãos da horda de meliantes que o administra. Finda a leitura, era possível até imaginar Jereissati vestido em uma armadura, como Ricardo Coração de Leão, a liderar um exército para salvar Jerusalém dos infiéis.

Merval, como se sabe, é da mesma estirpe do tucano. Jornalista equidistante e imparcial, movido pelas mais nobres intenções, não deve ser confundido como gente como nós, da CartaCapital, sempre prontos a vender a alma ao demônio por qualquer moeda, não é mesmo? Não importa se o colunista de O Globo peque em um fundamento essencial do jornalismo: o apego à verdade factual. Na nossa última edição, que chegou às bancas na sexta-feira 7, o texto de autoria de Cynara Menezes antecipa uma informação a que o resto da mídia só atentaria dias depois: a costura de um acordo entre o PMDB e o PSDB para zerar a contenda no Senado. Salva-se o pescoço de José Sarney, preserva-se o de Arthur Virgílio, cujos pecados seriam suficientes para queimá-lo na fogueira da Comissão de Ética.

Portanto, o gesto “nobre” de Jereissati está mais para aceno a um acordão conveniente a todas as partes. Os leitores de O Globo foram iludidos. Não existem Ricardos e Saladinos neste episódio. Há sim uma luta política corriqueira, grosseira, pautada pelo calendário eleitoral. Jereissati e Calheiros, Virgílio e Sarney são espelhos da institucionalização da política como trapolim para a realização de interesses privados, paroquiais, na melhor das hipóteses. Circunstancialmente, estão em lados contrários no momento. Mas no Brasil, onde o mundo intelectual foi dominado pelo embuste, jornalistas disfarçam seus desejos de análises desapaixonadas sem nenhum pudor.

Por falar em santos e demônios, a tevê imita o Senado. Globo e Record, Jereissati e Calheiros. Tudo a ver.

A rede da família Marinho esbalda-se nas denúncias de lavagem de dinheiro contra os integrantes da Igreja Universal. Acuados pelas transações mal explicadas, Edir Macedo e sua turma apontam as baterias contra a Vênus Platinada. A Globo reprisa os métodos nada ortodoxos de arrecadação ensinados por Macedo. A Record relembra as mazelas da rival, das relações promíscuas com o regime militar às manipulações nos sucessivos governos civis. O pano de fundo é a guerra milimétrica da audiência. Em nome dela, vale tudo. Assim como no Senado, trata-se de uma batalha pelo controle das trevas.